Entrevista realizada com Drögass Baarulhator, guitarrista do Life is a Lie e um dos membros remanescentes do antigo e igualmente genial, Parental Advisory, também dono do selo/distro especializado em música extrema 2+2=5 records (http://www.2plus2equal5.com ou info@2plus2equal5.com) . Entrevista feita originalmente para o falecido zine que eu e S. teríamos se não fosse a falta de dinheiro, tempo, colaboradores e inclusive, ânimo.
A Desordem:
Então, primeiramente, eu quero agradecer pelo tempo cedido e gostaria que você fizesse uma pequena introdução para o pessoal que desconhece o trabalho do Life is a Lie.
Baarulhator:
O início do LIFE IS A LIE foi o término do PARENTAL ADVISORY, em 2001. Eu (Baarulhator), Lord Vicious, Ommug e P. Durden tocávamos também no P.A., mas não queríamos mais estar diretamente vinculados à cena alguma, o P.A. era uma banda abertamente anarquista, mas o anarquismo já não respondia todas nossas perguntas, e muitas outras coisas nos interessavam, também não queríamos mais que nos vissem como uma banda punk, ou hardcore ou sei-lá-o-quê, queríamos fazer música do jeito que gostamos e estarmos livres para dizer o que pensamos, além da polícia ideológica e de políticas de cena. Então gravamos o primeiro disco, arrumamos um monte de inimigos, mudamos várias vezes de formação, fizemos trozilhões de shows, e agora estamos para lançar o disco novo.
...é basicamente isso.
Assim sendo, surgiu o Life is a lie. De cara nota-se que vocês têm uma influência ENORME de Black Metal, inclusive se referindo às letras da banda, de cunho polêmico e atacando fortemente os dogmas judaico-cristãos, até onde essa influência se estende? No quesito de responder às indagações que surgiram, antes do fim do P.A.
Como você consideraria o LIAL na questão de ideologia? Ou como foi citado, realmente algo à parte?
Baarulhator:
Musicalmente acho que a influência black metal é realmente latente, mas na parte lírica, creio que seguimos um rumo meio particular logicamente o temática blasfema / herege é muito presente e por isso traz essa identificação com o black metal, mas nosso ponto é um pouco, além disso, no primeiro CD, eu acho que podemos considerar os temas como niilistas, existe a negação, existe o desespero, o questionamento... Mas não vai, além disso, o material novo aponta um novo rumo mais próximo ao que Nietzsche tem como "transvalorização”.
A Desordem:
Então não se propõe mais a indagar, apenas aplicar conceitos que já estão cimentados?
Baarulhator:
O black metal, por exemplo, muitas vezes parece sobreviver só de ataques "randômicos" ao cristianismo, mas na maioria das vezes as motivações são frágeis, questionáveis.
A Desordem:
Assim sendo, a proposta de vocês é ir mais fundo na ideologia, digamos, sem atacar apenas o cristianismo, mas como pude notar pelas letras, os próprios conceitos de moral enraizados na sociedade? Fugindo dos lugares-comuns da música extrema, não somente do BM, que chegam à saturação e a falta de argumentos?
Baarulhator:
Sim... Assumir uma posição contrária ao cristianismo é uma atitude que se desdobra em muitas outras coisas, nós costumamos dizer que o ponto de partida do Life Is A Lie é a morte de deus, e de uma forma ou de outra, todos os temas que abordamos são idéias, atitudes ou reflexões que derivam desse ponto, de certa forma, o ataque continua sendo ao cristianismo, mas de uma maneira mais ampla do que apenas ficar gritando "Jesus, seu viadinho filho da Puta / vou comer sua mãe, aquela vaca" isso é para os adolescentes, nós já somos meio titios, hehehehe
A Desordem:
Exatamente é aí que vejo o diferencial da banda, já que basicamente a morte de deus, enquanto conceito deixa um espaço vago pra se abrirem outros questionamentos.
Creio que a blasfêmia professada por boa parte das bandas, só acaba por reforçar o conceito de que "existe" algo a ser blasfemado. Qual seria sua opinião perante isso?
Baarulhator:
Concordo. Inclusive existem bandas que abertamente aceitam a "existência de deus", e baseiam sua posição satânica nisso.
Da minha parte, hoje em dia acho que a discussão sobre a existência ou não de deus é secundária. Quero dizer, para mim é óbvio o bastante que tudo não passa de um mito como outro qualquer. O fato é que, ainda que todos os mitos não pertençam ao "mundo real", nem todos são necessariamente "ruins" no sentido de não oferecerem algo útil que possa ser aprendido, porém a mitologia cristã falha miseravelmente nesse sentido.
O legado que ela deixou seus princípios, seus valores... Não consigo enxergar nada positivo lá. Muito pelo contrário!
Então eu - e o Life Is A Lie hoje - não me preocupo em ficar convencendo as pessoas de que deus não existe. Até porque é muito comum existirem ateus que pautam sua vida pelos mesmos valores do deus cristão. Parte do nosso problema com o anarquismo - sem querer generalizar os anarquistas - passou a ser esse, por exemplo.
Existe a "polícia da cena", como você mesmo citou. Sobre esse tocante, vocês resolveram se desassociar, algo que eu, particularmente, considero EXTREMAMENTE válido, assim como o intuito deste zine... Mas e a reações das "cenas" a isso? É de meu conhecimento vocês dividirem palco com os mais variados tipos de bandas.
Baarulhator:
Bom, uma vez que queríamos romper com as "cenas", que queríamos nos colocar à parte desse circo, nós tínhamos duas opções: não tocar com ninguém, ou tocar com todos. Como gostamos muito de tocar ao vivo, decidimos, basicamente pela segunda opção... Sobre as reações... Isso é engraçado, porque foram raras as vezes que tivemos alguma reação negativa direta, que alguém veio falar conosco, reclamar de alguma coisa, mas nós sabemos de muitas pessoas que não gostam várias lendas que inventam a nosso respeito (algumas muito engraçadas, inclusive).
Vários "amigos" que dão tapinha nas costas e falam merda. Essas coisas... (risos)
* A Desordem:
(Fato, eu mesmo já ouvi merda a respeito)
Baarulhator:
Realmente tem muita fofoca.
Baarulhator:
Então, sim, tem muita fofoca. Uma das mais engraçadas, realmente, é essa sobre "nacional-socialismo".
Le Desordre: "MAS ELES SÃO CARECAS!" - Alguém diria.
Baarulhator:
Na verdade, eu acho uma pena que o meio underground seja tão infestado com esse tipo de patrulha. Se você tem o cabelo raspado e critica o judaísmo, logo corre alguém para lhe dar um carimbo de "nazi".É muito fácil entender o mundo nesse "preto e branco".
Os anarquistas enxergam "fascistas" e "porcos capitalistas" por todos os lados. Os nazis acham que o mundo está nas mãos do terrível "Zog". É difícil admitir, mas o mundo é muito mais caótico do que isso.
Paranóia geral. As pessoas não dominam as próprias idéias e conceitos e acontece justamente o contrário. Resultando exatamente nessa visão unilateral e supostamente "libertária" das coisas, se tratando de anarquistas e outros. Quanto à nazi, prefiro nem me pronunciar.
A Desordem:
Agora, sobre a sonoridade da banda... Houve um abismo imenso entre o lançamento do S/T e os sons novos, que a meu ver, rumaram para um caminho mais "metal", mas sem largar a brutalidade e influências antigas, até que ponto a mudança de membros influenciou nisso? E, aliás, qual seria o line-up atual?
Baarulhator:
Não diria que essa mudança de sonoridade seja graças aos novos membros, mas com certeza a entrada deles ajudou que conseguíssemos realizá-la. O primeiro CD tinha várias músicas que foram compostas ainda na época do PARENTAL ADVISORY, talvez por isso esse lado "metal" fosse menos latente. Para esse novo, tínhamos apenas material do LIAL mesmo, além disso, o atual baixista e o atual baterista são competentes e criativos o suficiente para acrescentar novas idéias e dar a cara que o som pede.
A Desordem:
Eu lembro de no primeiro CD, haverem sons com levadas mais lentas, destacando a faixa "Estrela". Saindo do marasmo de tantas bandas de grindcore que só querem saber de tocar o mais rápido possível e mostrando técnica demais, sem o mínimo de tesão pela coisa, ao contrário do que vocês fizeram e fazem, conseguindo transmitir um quê de pessimismo e ódio ao mesmo tempo
Baarulhator:
Poxa, obrigado! A idéia é essa mesmo!
A Desordem:
O que você acha dessa nova onda no meio extremo? Bandas que copiam Dillinger Escape Plan e outras ao máximo? Como no Brasil a geração Pós-Krisiun, e também dos tantos clones de Neurosis que pipocam hoje em dia!?
Baarulhator
Cara, bem no princípio eu achava algo interessante, mas no geral não me interessa e é muito raro eu ouvir algo nessa linha. Eu acho que a técnica na música deve estar sempre a serviço do sentimento. A técnica por si só não me interessa nem um pouco.
Sobre os clones de Neurosis... Cara, seres humanos são malditos parasitas! (risos)
A Desordem:
E isso resume o meu pequeno adendo sobre o Krisiun! (risos)
Baarulhator
É sempre assim: tão logo alguém desenvolve algo novo, traz algum frescor para determinado ambiente; nesse exato momento inicia-se a contagem regressiva para surgirem às cópias.
Baarulhator:
O contato com idéias novas não inspira as pessoas a quererem também criar algo novo, muito pelo contrário: dá-lhes vontade de se apropriar da idéia de outrem!
A Desordem:
Por essas e outras eu ando enjoado do Death Metal atual, foi-se o ar de bandas como o Nihilist, Asphyx e outros.
Baarulhator:
Essas bandas antigas de death metal eram foda! Se você pegar Entombed, Obituary, Autopsy e Pungent Stench, por exemplo, e escutar os discos na seqüência, porra, até minha mãe conseguiria distinguir que seriam bandas diferentes tocando. Agora pegue a geração Krisiun, me dê 10 discos dessas bandas, e veja se é possível distinguir um do outro.
A Desordem:
Não duvido que o mesmo possa acontecer com o "Drone" que pelo jeito, anda estourando lá fora.
Baarulhator
É bizarro, mas sempre foi assim. Quase sempre que eu vejo pessoas conversando sobre montar uma banda nova é assim:
"Hey, fulando, quer tocar na minha banda?"
"Quero sim, qual é a dela?"
"Ah, vai ser um som tipo Darkthrone (ou Larm, ou Neurosis, ou Krisiun)"
Porra, para que isso? Já existe um Darktrhone, um Larm, um Neurosis, um Krisiun.
A Desordem:
Apesar de eu ser relativamente novo, eu fico triste com o desinteresse com relação ao underground atualmente, vejo poucos corres com relação a isso... E Você? O que acha da “nova geração”? Já que rareiam os zines, poucos se interessam por fitas e vinis, se prendendo apenas às coisas que estão mais na cara ou fáceis de encontrar pela internet.
Baarulhator:
Eu tenho que tomar cuidado para não soa excessivamente nostálgico nesse assunto.
(risos)
A Desordem:
Não que isso vá ser um problema, (risos).
Baarulhator:
Quero dizer, toda aquela "ética underground" que existiu nos anos 80 e 90 trazia também muita merda para a cena, um tipo de radicalismo muito burro, muito ingênuo...
A Desordem:
"VOU TOMAR SEU VISU, DIZ QUALÉ A PRIMEIRA FAIXA DO PRIMEIRO BATHORY DA VERSÃO EUROPÉIA DE TRÁS PRA FRENTE" - Algo assim.
Baarulhator:
Exatamente!!! Porra, isso é ridículo!
Mas, essencialmente, a idéia de você ter que correr atrás das coisas, de que era necessário dar suporte a mecanismos alternativos de funcionamento para que tudo continuasse a sobreviver... Isso fazia toda a diferença. A pessoa envolvida com o underground não era tão somente um consumidor passivo.
Le Desordre:
Que hoje em dia, deu lugar aos "trues" de internet, tão ruins ou piores quanto os radicais de outrora, que ao menos gostavam de verdade daquilo.
Baarulhator:
O cara era meio que "forçado" a produzir. E por isso as pessoas se comunicavam, e precisavam ser criativas. E, nessas, podiam entrar em contato com novas idéias, e garantiam que o underground continuasse algo realmente diferente do "mainstream”.
A Desordem:
Hoje é mais um jogo de aparências, quem é quem, disputa por "pontos de cena" e por aí vai. Na essência, então, você crê então que existam dois tipos de "mainstream" atualmente? Pode soar errado, mas creio que você entendeu meu intuito.
Baarulhator:
A partir do momento que o cara que "curte" pode simplesmente se por atrás de um computador e baixar uns CDs pelo Soulseek, tudo se reduz a uma reprodução em miniatura do "mainstream" entendi sim, e, infelizmente, acho que é meio por aí,
nessa atitude passiva, tudo vira apenas mercadoria, e a idéia de rebeldia, criatividade e transgressão do underground passa a ser um valor meramente estético
A Desordem:
Agora, retornando ao LIAL, planos para a arte do CD? Mutarelli ilustrará novamente ou há algo novo em mente?
Baarulhator:
Não, quem fez a ilustração do CD novo foi o Theo, da dupla noise curitibana GENGIVAS NEGRAS. Vai ser um pouco menos direta do que a ilustração do primeiro CD, muitos nem vão pegar a idéia, acho.
A Desordem:
A sutileza pode ser mais agressiva que algo escancarado às vezes, e não sabia que o Théo mexia com ilustrações, mas já que você mencionou, o GN é algo de interessante, em termos nacionais, há alguma banda atual que você destacaria?
Baarulhator:
Cara, felizmente eu acho que ainda temos bandas fazendo muita coisa boa por aqui.
Algumas que eu gosto muito: Facada, Siege Of Hate, Osculum Obscenum, Eternal Malediction, Apocalyptic Raids, Elma, Hutt, Are You God? , Abske Fides, Infamous Glory, Paranóia Oeste, Spell Forest, Lymphatic Phlegm... porra, tem várias
A Desordem:
Não querendo puxar o saco, mas eu sou bastante fã de todas que você citou, menos o INFAMOUS que eu ainda não ouvi nada (risos)
Baarulhator:
Você precisa ouvir, com certeza é uma das melhores bandas nacionais fazendo death metal old school, em minha opinião.
A Desordem:
Finalizando, levando em conta que esse zine é feito por mim, que moro em Manaus e com colaboradores de outros estados... Você sabe algo sobre a cena daqui? Já ouviu algo a respeito? Não sei se é de seu conhecimento, mas Manaus já foi um pólo de música extrema, pelos idos dos anos 90...
Baarulhator:
Na época que eu fazia o zine LIFE? (entre 93 e 96, acho), eu tinha bastante contato com um pessoal de Manaus, mas quase nenhuma banda, das recentes, já ouvi falar muito bem do MORTIFICY, mas infelizmente ainda não os escutei e vergonhosamente perdi os shows que eles fizeram por aqui... Acho uma merda que o underground ainda seja tão centrado no sudeste e sul do país, mas isso já está mudando há tempos e acho que só tende a melhorar.
A Desordem:
E então, o espaço agora fica em branco, se quiser deixar alguma mensagem, propagandear algo, recadinhos amorosos.
Baarulhator:
Queria agradecer o espaço, interesse e atenção. Achei do caralho a proposta do zine e realmente espero que o projeto vingue por várias edições. Valeu mesmo! De resto, que estiver interessado em conhecer mais sobre o LIAL, pegar material, trocar uma idéia ou nos contar alguma fofoca sobre a banda, por favor, não hesitem em entrar em contato.
Baarulhator:
Nosso e-mail: lifeisalie@hotmail.com, ou pela Caixa Postal 1668, São Paulo / SP, CEP: 01059-970.
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